domingo, 11 de dezembro de 2011

Particular

O calor evapora-se dos corpos num movimento quase ensaiado. Gradualmente, todo o seu peso se converte em ar, moléculas desagregadas vagueando em busca de uma colisão. Não é um movimento aleatório, antes o resultado de uma cinética mais forte que a própria vontade e que os desígnios lógicos. Somos presas das forças que nos movem, guiados por essa vontade de sentir. Algo verdadeiro. Algo transcendente. Algo que não possa ser descrito em palavras. Movemo-nos pelo caos de uma e outra emoção, sempre tementes mas ansiosos. Somos o resultado dessas colisões. Somos feitos de tudo e de nada. Somos porque sentimos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Alucinação

A comoção atrai os olhares indiscretos. Sob a bruma dominante da noite, os seus gritos rasgam em pedaços a paz absoluta. Desfere golpes no ar, num acto contínuo e irreflectido, pura fúria libertada. Tomam-no por um louco, mas será porventura o único com genuína sanidade no meio de tantos cordeiros absortos. Os seus gritos são de dor, de alegria, de raiva, de fé, de ódio, de amor. O instante da perda é de uma claridade imensa. Faz-se luz nas trevas. Um passo mais próximo da plenitude do ser.




sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Preciso de ti

Escrevo-te esta carta com todo o meu coração. Hoje a vida voltou a mostrar-me um ar da sua graça e eu voltei a sentir-me um pouco mais vazio. Incompleto, talvez. Guardo em mim sonhos, desejos e vontades mas ultimamente sinto o tempo fugir-me como grãos de areia por entre os dedos. Todo o tempo é tempo nenhum e todo o calor é insuficiente para me aquecer o peito. 

A verdade é que preciso de ti, mais que nunca. Preciso dessa paixão avassaladora que me derrube e me deixe incapaz de viver sem ela. Não te peço nada de mais. Só quero que sejas, que sintas e penses, como és. Tu não percebes mas és a pessoa certa para mim. E eu quero ser a pessoa certa para ti. E tenho um coração do tamanho do mundo, que sempre te conheceu e bate forte por ti. 

Podes achar que estou louco e que balbucio parvoíces sem sentido mas nada disso vai mudar a maneira como me fazes sentir. A verdade é que te desejo e te quero abraçar. E sempre que te vejo luto com todas as minhas forças para resistir ao impulso de te adorar. Escrevo-te porque quero acreditar que vais ler esta carta. E, se não hoje, um dia saberás que tu e eu podemos viver algo muito bom, pedaço de vida intensa. Até lá, sou teu.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Castelo de cartas

Tentei medir o espaço que nos separa. Tentei medi-lo em tempo e desafiar a ordem das coisas. Pensei depois medi-lo em calor, daquele interno e aconchegante, mas percebi que a minha medida podia ser diferente. Todo eu sou feito de papel, matéria frágil sobre a qual vou erguendo castelos mas temendo a qualquer instante um abalo que derrube a estrutura. Não consegui fazê-lo na altura certa e os dias passaram-me como grãos de areia por entre os dedos. Tenho toda a verdade em mim, agrilhoada a um desesperante temor. Tenho o desejo imenso na alma. Tenho sede da vida e do amor. E tenho todo este espaço que nos separa.






Forget about your house of cards and I'll do mine.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Lotus

Perturbas-me a paz. Todos os meus sentidos se misturam e atrapalham, desconexos, afectados da tua presença. Procuro as forças para manter a postura mas todos os meus gestos se revelam um esforço inconsequente. Os meus olhos denunciam-me, revelando o turbilhão que me fazes sentir no âmago do meu ser. São mais corajosos que eu, honestos na plenitude das suas emoções, enquanto eu me retraio e pondero impaciente cada palavra. Tenho-te ao alcance de um abraço e vejo-te, observo-te, sigo os teus olhos e esse teu sorriso encantador, até a maneira graciosa como fumas um cigarro. Mas todos eles me desarmam uma e outra vez e perco-me em vontades e desejos. Mas sei que a nossa história ainda não foi toda escrita. E talvez um dia destes percebas no meu olhar tudo aquilo que tenho para te dizer. Ou talvez ganhe o alento que me falta, quando não resistir mais a esse teu encanto e me perder de vez, em ti.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Estelar

Pequenos fogachos ardentes subsistem na superfície do meu corpo. Marcas indeléveis do teu contacto. Gestos primorosos que, rotulados de inocente decalque, afloraram emoções há muito enterradas. O oxigénio extingue-se à nossa volta, consumido pelo fogo que me assola, e não percebes que a salvação está nos teus (a)braços. E em breve serei cinza, nada mais que resíduo. Não me deixes findar assim.




sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Enxame

Naquele instante em que as trevas o envolveram, percebeu que era algo transitório. Impermanente. As ruas ficaram despidas de vida e o ar tornou-se rarefeito e morno. Não houve lugar a lágrimas nem a despedidas frouxas. O que aos olhos de todos os outros parecia o fim, cedo percebeu que não era mais que um novo princípio. Sorriu de braços abertos enquanto ascendia sereno. Firme na convicção de que no fim de todo este reboliço haveria de voltar. Mais forte que antes. Renascido.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Pulmão

A nevralgia aumenta de intensidade em noites escuras e desprovidas de calor. Corroendo lentamente cada milímetro mais recôndito desse ser embriagado pelo seu próprio veneno. O oxigénio vai-se extinguindo lentamente, aumentando a sensação de sufoco e o corpo teima em ceder. Fechando os olhos, sobra o ruído de fundo e uma sensação de levitação, um etéreo estado de alma quase imperceptível. E resta uma derradeira amarra que prenda a porto seguro. O bater titubeante desse músculo que se recusa a dar de si.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Canção de Outono

Não é que a sua presença não o incomode, ele é que não quer dar parte de fraco. Se cedesse aos seus impulsos, vincados no desejo com que cada vislumbre dela o brinda, há muito que este jogo teria terminado. Mas o medo de derramar sangue impede-o de se atirar loucamente para as chamas dessa fogueira de guerra uma vez mais. Ela joga com as suas emoções, ora aproximando-se, ora fugindo de si. Castiga-o uma e outra vez, mesmo quando lhe quer bem. Mesmo quando deseja a sua companhia mais que tudo. Nunca perceberá a dimensão das suas acções, porque o sangue que lhe corre nas veias não é cinza, ao contrário do dele. Estóico, ele mantém-se à tona, ignorando as sucessivas investidas e sem perceber que, desde o início, esta era uma batalha perdida. Ele julga que sabe o que quer e como o alcançar, mas enfim será vítima de si mesmo e do seu pecado. É uma questão de tempo.



Scarlett Johansson

sábado, 21 de agosto de 2010

Colour my life with the chaos of trouble.

Saio à rua e é como se flutuasse. Levemente percorrendo o trilho da noite quente. Como que hipnotizado por uns quaisquer acordes lascivos que me seduzem e guiam a destino incerto. O meu mal sempre foi essa obsessão libidinosa, tantas vezes incoerente e capaz dos mais cruéis golpes. Tomara ter nos meus braços o corpo quente de um anjo caído, em busca de asas novas. Poder sentir a harmonia arrebatadora desse fogo tão breve que é o momento em que duas almas se vêem por instantes, despidas do invólucro mundano que seca e desfaz o charme da entrega. Gritaríamos em coro que este mundo é nosso e rematávamos as dúvidas com um beijo. Tocaríamos a lua e as estrelas. Mas pesam-me as ideias e deixo de flutuar. Devo procurar o caminho de regresso. Abafado pelo silêncio ensurdecedor dessa saudade. De um abraço e do toque de outro corpo no meu, envoltos em caos. Porque esse caos é o que me alimenta os dias e as noites.




Colour my life with the chaos of trouble.